19/03/2009 | 040.3.53.O | GRANDE EXPEDIENTE |
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O SR. RAUL JUNGMANN (PPS-PE. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o assunto que me traz hoje a este plenário diz respeito a uma polêmica, Deputado Asdrubal Bentes, que recentemente chegou ao nosso conhecimento, através de jornais, a respeito de rumores de uma resistência, talvez um desconforto ou uma inconformidade de alguns oficiais generais — 3, se não me engano — com a estratégia nacional de defesa.
Inclusive, em breve, por meio de um pacote legislativo, enviado evidentemente pelo Executivo, Deputado Carlos Abicalil, deverão chegar uma série de medidas para apreciação de todos nós.
Quando aqueles rumores surgiram, não nos pudemos posicionar, porque não tivemos conhecimento dos motivos da dissensão. Mas eis que no Jornal do Brasil do dia 15, o General da Reserva Luiz Cesário da Silveira Filho, em carta dirigida ao Ministro da Defesa Nelson Jobim, expressou seu descontentamento e também arguiu uma série de pontos que importa aqui trazer ao conhecimento do Plenário desta Câmara Federal e, oportunamente, também debatê-los.
Por uma questão de tempo, Deputados Asdrubal Bentes e Carlos Abicalil, farei comentário tópico a tópico. No primeiro deles, o ilustre General — que eu tive, inclusive, o prazer de conhecer — afirma o seguinte: “Só nós, os militares, por força da continuidade do nosso dever constitucional, temos por obrigação manter a trajetória da liberdade no Brasil.”
Discordo, está enganado. Isso é um erro, porque admitir isso, Deputado Carlos Abicalil, seria admitir a tutela, o monopólio, o usufruto da defesa da liberdade da democracia a quem quer que seja no Brasil. E isso é monopólio de todos brasileiros, sejam eles militares ou civis. Numa democracia, não existe o conceito da tutela, seja de quem for, mas apenas a tutela daquele que detém o poder originário, que é o próprio povo.
Em seguida — chamo a atenção dos senhores — , o General Cesário diz que da leitura da Estratégia Nacional de Defesa se podem deduzir objetivos inconfessáveis. Francamente, a Estratégia Nacional de Defesa, Sr. Presidente e Deputado Paes Landim, não é algo que pertença ao Ministro da Defesa, não é algo que pertença a esse ou àquele funcionário público, por mais graduado que seja, mas algo que foi aprovado pelo Conselho Nacional de Defesa, presidido pelo Presidente da República deste País, Luiz Inácio Lula da Silva, e que contou, na sua aprovação, com a presença do Sr. Presidente desta Casa, desta Câmara Federal, e do Sr. Presidente do Senado, além de outras autoridades da República.
Então, eu não posso entender, eu não posso aceitar que eminentes autoridades da República tenham aprovado um projeto estratégico, um projeto de defesa nacional que contenha objetivos inconfessáveis, porque isso seria admitir que as mais altas autoridades da República ou foram coniventes ou então desconhecem o que debateram e aprovaram. Isso, obviamente, não faz sentido.
Eu me insurjo contra essa afirmação, até porque a Estratégia Nacional de Defesa contou com a participação do Ministro de Estado Nelson Jobim, com a participação do Ministro de Estado Mangabeira Unger e com a participação ativa de eminentes brasileiros Comandantes das Forças Armadas — do Exército, da Marinha e da Aeronáutica — , todos ilibados cidadãos, republicanos, patriotas, que não só construíram esta Estratégia Nacional de Defesa, como deram o seu aval. Não se pode sequer imaginar que brasileiros dessa estirpe e responsabilidade possam compactuar com objetivos inconfessáveis, seja de quem for, no que seria uma traição ao País.
Quero aqui, de público, repudiar essa afirmação. Muito pelo contrário, esta Estratégia Nacional de Defesa representa um grande avanço para o nosso País, para a nossa defesa nacional e também no sentido da modernização, adequação e fortalecimento das nossas Forças Armadas.
Prossegue o ilustre General Luiz Cesário dizendo que a Estratégia Nacional de Defesa fere princípios e contraria dispositivos constitucionais ao afastar chefes militares das decisões de alto nível, da mesa de alto nível de decisões do País.
Aqui é interessante, porque em algum momento o General Cesário diz que jamais se fantasiou de general e que é, sem sombra de dúvida, um militar com uma folha de serviços prestados e uma carreira digna. Mas aqui me parece que veste a toga e interpreta a Carta constitucional ao seu modo e talante.
Não existe isso. O que há é uma decisão do delegado desta Nação, que é o Sr. Presidente da República, no Governo anterior, que decidiu que, ao revés do que até aqui vinha acontecendo, a representação da área militar junto à Presidência da República, S.Exa. passaria a ter um representante seu junto à área de defesa e à área militar.
Essa inversão sobretudo visa a fortalecer a nossa defesa nacional, a promover a modernização das nossas Forças Armadas, a estabelecer uma forma de atuação conjunta, o que os países desenvolvidos hoje têm por princípio e, sobretudo, seguem através das suas respectivas políticas de defesa.
Para não me alongar, Sr. Presidente — solicito mais uma concessão de tempo de V.Exa. — , eis que o general, ao dirigir a carta ao Ministro da Defesa, conclui que o afastamento dos militares da alta mesa de direção do País, com o que eu não concordo, é uma estratégia rumo à socialização.
Isso nos deixa perplexos. Socialização de quê? Por quê? As liberdades funcionam; as instituições funcionam; a lei é seguida, com as dificuldades e vicissitudes de um Estado como o nosso; temos liberdade de informação; temos liberdade partidária; temos este Congresso, com suas prerrogativas, exercendo o seu papel; e temos um cenário internacional e nacional em que esse tema caiu totalmente em desuso e já não faz qualquer sentido informar qualquer ameaça, qualquer perigo ou qualquer estratégia, seja de qual Estado democrático venha a ser.
Por fim, o General Luiz Cesário faz a observação de que nenhum Ministro da Defesa prestou serviço militar obrigatório.
Aqui quero lembrar que, para exercer funções políticas, as atividades de especialização não se revestem do caráter impeditivo do exercício das funções. Quero lembrar também dos argumentos retrógrados, conservadores, que foram assacados, Deputado Carlos Abicalil, quanto à figura do atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que, por não ter uma educação formal nos bancos escolares, não teria condição de ocupar a Presidência.
Digo isto com orgulho, na qualidade de opositor: poucas coisas me orgulharam tanto, entre outras, na eleição histórica do Presidente Lula, quanto o fato de que a nossa democracia já não discrimina por saber, já não discrimina necessariamente por origem, já não discrimina por região, já não discrimina por cor. Essa é a grande conquista democrática. E não me parece que ao Presidente Lula a falta de conhecimento, de educação formal seja uma restrição para o exercício das suas atividades.
Portanto, essa é uma discriminação para a qual a própria democracia brasileira já deu uma resposta, com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assim como nos Estados Unidos tivemos também a histórica eleição de um Presidente negro.
Essas conquistas, sem dúvida, deixam muitos atarantados e nervosos, mas representam o caminhar da soberania, da democracia, da igualdade de oportunidades e da justiça, que são penhores de uma democracia madura.
Concluo, Sr. Presidente, com a última observação do ilustre general, a de que a Estratégia Nacional de Defesa, a de que o Ministério da Defesa não seria adequado para o nosso estágio evolutivo.
Aqui fico extremamente confuso. Países desenvolvidos têm Ministério da Defesa, a exemplo da França e da Itália; e, embora assim não o denomine, os Estados Unidos também têm. Não quero aqui fazer um comparativo, o que talvez não seja adequado, entre o nosso estágio e o de outros países, pelo menos em termos de produção de riqueza, mas a verdade é que vários países da América do Sul, da América Central e até da própria Ásia — e por aí afora, pela África — têm Ministério da Defesa.
Então, qual é o critério evolutivo que devemos aplicar para esse caso, se não o de entender que, na verdade, em essência, o que desagrada ao General Luiz Cesário é que nós estamos vivendo um momento de plenitude democrática, que o Ministério da Defesa representa a reafirmação e a possibilidade de que possamos discutir e ter uma cultura de defesa neste País, Deputados Carlos Abicalil e Gastão Vieira, que é fundamental?
Nós estamos preocupados, e eu, como Presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, não me furto a dizer que a Estratégia Nacional de Defesa, em que pese poder ser melhorada, em que pese poder ser desenvolvida, em que pese requerer uma série de ajuste, representa, sem qualquer sombra de dúvida, um extraordinário avanço em termos de relações de poder civil e poder militar em nosso País.
Representa também, pós-redemocratização, ilustre e querido Deputado Beto Albuquerque, uma reinserção dos militares dentro dos altos desígnios e da alta política deste País, não mais apenas fazendo compra de oportunidade, não mais apenas participando aqui na discussão desta Casa a respeito de um orçamento de custeio, mas, já agora, como escudo de defesa nacional de um país que se afirma globalmente, de uma país que, voltado para a paz, precisa ter a preocupação neste mundo global e incerto, sobretudo em estabelecer não um ataque a quem quer que seja, mas a defesa da nossa democracia, Sr. Presidente, penhor das nossas relações e estabilidades no plano internacional.
Por tudo isso é que eu vim aqui. Agradeço extraordinariamente a V.Exa., Sr. Presidente, a generosidade; agradeço também aos colegas a atenção. E faço aqui a minha veemente defesa da discussão em torno do plano de defesa, do acerto da decisão do Ministério da Defesa e, sobretudo, da institucionalidade republicana e democrática que gozamos hoje, em que os militares terão cada vez mais reconhecidos o seu papel e as suas necessidades dentro de um contexto de paz, mas em que temos o dever e a obrigação de estar prontos para qualquer ameaça, para qualquer tentativa de elidir a nossa soberana democracia como País.
Muito obrigado.