Picadinho Cruel | Raul Jungmann

Picadinho Cruel

1. Imagine uma cidade de ficção, Recifer, ok? Ela terá eleições esse ano e três candidatos estão na disputa: o prefeito Joãozinho, seu principal opositor, Bolão e um candidato alternativo,o Fito.
2. Apoiado pela máquina da prefeitura e empresários, Joãozinho tem um caixa de R$ 25 milhões, Bolão de R$ 13 mi e Fito conseguiu amealhar, a duras penas, R$ 350 mil.
3. Começa a campanha. Joãozinho tem 10 minutos de TV diários, com uma produção ***** estrelas e uma equipe, que veio do Rio e Sampa, de 50 pessoas, além de equipamentos de última geração. Bolão tem quase tudo isso, porém em escala menor e 6.5 minutos diários de guia eleitoral. Fito, dispõe de 1min e um orçamento de R$ 100 mil para rádio e TV, uma única câmera, um redator part time, estúdio improvisado e uma mesa de edição com trucagem mecânica – uma peça de museu, com pouquíssimos recursos.
4. Joãozinho e Bolão espalham milhares de cavaletes por toda cidade, estão em todos os cruzamentos, esbanjam propostas na internet, nas redes sociais, tocadas por equipes terceirizadas, só dão os dois…E Fito?!
5. Bem, Fito faz o que pode. Tem meia dúzia de cavaletes, santinhos e uma trupe de voluntários + candidatos a vereador nas ruas e nas redes sociais. 
6. Ali por volta de setembro o grosso do eleitorado começa a se antenar na eleição – começa jogo é para valer.

7. Joãozinho triplica suas equipes, agora são 5.000 jovens pagos nas ruas e cruzamentos. Bolão faz um esforço final e põe metade desse pessoal. E….o Fito,minha gente?!
8. Está as voltas com um problema sério: como ele não tem grana para bancar as campanhas dos seus vereadores, eles debandam. Uns se vendem pro prefeito, outros pro Bolão e Fito está só, ou quase, nas cruciais 3 semanas finais!
9 Enquanto Joãozinho promete viadutos e corredores, hospitais e o melhor carnaval do mundo, Bolão fala em segurança, baixar impostos e taxas. Já Fito fala em defesa dos assalariados e trabalhadores, do meio ambiente e das mulheres, do combate a corrupção, ética, transparência, tecnologia e educação. Mas já ninguém o ouve…
10. Ninguém o ouve porque a eleição está totalmente polarizada pelos outros dois candidatos. O eleitorado, fascinado pelos excelente nível dos programas de Bolão e do prefeito, se emociona com suas vidas, a história dos seus pais e o depoimento, aos prantos, de pessoas simples sobre os dois generosos homens públicos.
11. Faltando poucos dias para o pleito, os derradeiros votos de Fito são sugados pelo voto útil dos que tem chances reais de vitória
12. No dia da eleição, o prefeito põe 20.000 pessoas prá fazer o boca de urna e Bolão 12.000. Já o nosso Fito só tem uma certeza: terá que arcar com as dívidas da sua derrota por meses e anos.
THE END
PS – Claro que essa história peca pelo esquematismo e maniqueísmo. Peca também, porque os Fitos da vida as vezes ganham uma – ainda que muito raramente. Mas é por aí que as coisas se dão. Entretanto, isso não nos desanima, muito pelo contrário.
Navegar é preciso, viver não é preciso…..
 
Abs, Raul Jungmann